Às três subespécies da poesia lírica — a heróica, a elegíaca e a lírica...
Às três subespécies da poesia lírica — a heróica, a elegíaca e a lírica propriamente dita — atribuíam os antigos a protecção de três musas, Calíope para a primeira, Érato para a segunda, e para a terceira Polímnia.
Chama-se poesia lírica, em boa razão estética, a toda aquela que não é dramática nem narrativa, e na espécie da poesia chamada narrativa há por certo que incluir a didáctica. A poesia lírica pode exprimir directamente os sentimentos e as emoções do poeta, sem deles querer tirar conclusões gerais, ou lhes atribuir maior sentido que o de serem simples emoções e sentimentos: é esta a poesia propriamente, ou simplesmente, lírica. A esta é que Polímnia rege. Pode também a poesia lírica exprimir não sentimentos ou emoções do poeta, senão o conceito que forma desses sentimentos, ou dos alheios: é esta, propriamente, a poesia elegíaca, que não há mister que seja triste, como o uso vulgar do nome ordinariamente indica. Desta poesia Érato é a musa. Pode, por fim, a poesia lírica dedicar-se a exaltar ou a deprimir a pessoa ou os feitos de outrem, não tanto os comentando, quanto os elevando ou diminuindo: é esta, em seus dois ramos, a poesia heróica e a satírica. A estas legitimamente rege Calíope, se bem que lhe não dessem os antigos a regência da sátira.
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966.
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