Certo amigo meu teve, durante algum tempo, a mania do hipnotismo...
Certo amigo meu teve, durante algum tempo, a mania do hipnotismo e do "magnetismo". Em virtude disso fazia "experiências" — fitava intensamente diversas nucas, a ver se os seus donos se voltavam para trás; concentrava o olhar sobre diversas pessoas, a quem dava uma ordem mental, a ver se elas a cumpriam. Não sei, não me lembro, que êxito geral, ou média de êxito, obteve desses esforços pelo menos oculares. O que sei e lembro é o que ele uma vez me contou.
— Foi o outro dia, disse, na "Brasileira" do Rossio. Eu estava sentado a uma mesa contra a parede. Sentou-se a uma das mesas do meio, perto da minha, um tipo qualquer. Tomou um café e, depois de o tomar, deu sinais de se querer demorar, sem que parecesse esperar alguém. Decidi fazer uma experiência com ele. Concentrei-me, fitei-o firmemente e dei-lhe ordem mental de se ir embora. Fiz isto concentradamente durante uns bons cinco minutos. E V. sabe o que sucedeu?
— Não.
— Senta-se à mesa um segundo gajo.
Veio-me isto irresistivelmente à lembrança ao meditar uma vez casualmente no resultado da apresentação e execução da lei contra as Associações Secretas. O Estado Novo fitou atentamente a Maçonaria, deu-lhe ordem de que se fosse embora. E sentou-se à mesa o Segundo Gajo.
Ao Sr. Manuel Mexia [?] Pinto, tão diligentemente amigo da linguagem simbólica, ofereço sorrindo esta pequena alegoria.
Da República (1910 - 1935) . Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Mourão. Introdução e organização de Joel Serrão). Lisboa: Ática, 1979.
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