Por detrás de todas as variações permanece,
Por detrás de todas as variações permanece, inalterável substância de uma forma mutante, um conceito do universo especialmente pagão, e que as modas não atingem. É dificil fazer ver isto — como qualquer outra coisa — a quem o não sente. A indiferença à dor, o aceitamento orgulhoso, posto que passivo, do destino, não hasta para formar um estóico: falta o estoicismo. A busca, embora moderada, dos prazeres, céptica para com outra espécie de beneficios a esperar do mundo, não é suficiente para que o seu culto mereça o nome de epicurista: falta o epicurismo. Do mesmo modo a aceitação de muitos deuses — que a outra cousa não monta a hagiologia do cristismo católico, sendo suficiente para sintoma de politeísmo, não basta para que este politeísmo se possa considerar como idêntico ao dos pagãos:
falta o paganismo.
Em Alberto Caeiro vemos a substância sem os atributos. Caeiro não tem a sensibilidade pagã, porque não vive na era pagã. O que há nele de maravilhoso é que também não tem a sensibilidade cristã. Isto o distingue de todos quantos — desde a Renascença até hoje — quiseram nomear-se pagãos.
Poemas Completos de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Recolha, transcrição e notas de Teresa Sobral Cunha.) Lisboa: Presença,
1994.
- 183.Ordenação corrigida segundo:
Fernando Pessoa e o Ideal Neo-Pagão - Subsísios para uma edição crítica . Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição de Luís Filipe B. Teixeira.) Lisboa: F. C. Gulbenkian, 1996.