Aqueles portugueses do futuro,
Aqueles portugueses do futuro, para quem porventura estas páginas encerrem qualquer lição, ou contenham qualquer esclarecimento, não devem esquecer que elas foram escritas numa época da Pátria em que havia minguado a estatura nacional dos homens e falido a panaceia abstracta dos sistemas. A angústia e a inquietação de quem as escreveu, porque as escreveu quando não podia haver senão inquietação e angústia, devem ser pesadas na mão esquerda, quando se tome, na mão direita, o peso do seu valor científico.
Serão, talvez e oxalá, habitantes de um período mais feliz, mais propício à realização das ideias completas e dos projectos que datam [?] da inteligência, aqueles que lerem, aproveitando, estas páginas arrancadas, na mágoa de um presente infeliz, à saudade imensa de um futuro melhor. E é preciso que saibam que os seus predecessores na reconstrução da Pátria sofreram, desde as angústias da incompreensão até ao nojo da coexistência com os incompreendedores, toda a mágoa de quem vive [?] firme [?] no seu tempo, e não, como o Precursor do Cristo, vozes clamando no deserto, íncolas muitos da construção dubitativa do poder.
Da República (1910 - 1935) . Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Mourão. Introdução e organização de Joel Serrão). Lisboa: Ática, 1979.
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