Escrevi, em princípios de 1928, um folheto com o mesmo título que o presente.
Escrevi, em princípios de 1928, um folheto com o mesmo título que o presente. Dou hoje esse escrito por não escrito; escrevo este para o substituir.
Não quer isto dizer que repudie tudo quanto nele escrevi, ou que o repudie na essência. Parte do que lá está, está aqui também e ainda. O por que o dou por não feito é que, em suas linhas gerais, estuda mal o assunto, e nas particulares o expõe mal.
O título, disse, é o mesmo em um e outro; uso dele porém com diferente propósito. Quando escrevi o outro folheto, em fins de 1927, estávamos ainda longe do Estado Novo e da Nova Constituição, embora já perto, sem que o soubéssemos, da vinda e primeira fase de Salazar. Havia de facto interregno, isto é, a Ditadura era, propriamente, uma ditadura de interregno. Com a votação da Nova Constituição estamos já num regime: o Interregno cessou. Nada importaria, ou importa, o julgar mau o Estado Novo. Existe. O interregno cessou.
Parece, pois, que este folheto deveria ter outro título. Sucede, porém, que nele me proponho estudar as causas do 28 de Maio, o tipo de revolução em que se enquadra, e as suas consequências, hoje visíveis, no mesmo Estado Novo. Girando portanto à roda do que se estava obscuramente, e depois claramente, elaborando no interregno 1926-1932 /?/, posso manter o título, porque é verdadeiro. Acresce que não me proponho discutir a Nova Constituição ou o Estado Corporativo; a ambos aceito, por disciplina; de ambos discordo, porque não concordo.
Poderia, talvez, intitular o folheto "O Interregno e as Suas Consequências". Creio porém que os títulos grandes não são títulos, porque são descrições, como os sonetos caudatos não são sonetos, porque têm dezassete versos.
Da República (1910 - 1935) . Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Mourão. Introdução e organização de Joel Serrão). Lisboa: Ática, 1979.
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