[4] (1) Tipo de inibição: (a) receio (não), (b) moral…
(1) Tipo de inibição: (a) receio (não), (b) moral (não), (c) fraqueza de vontade (sim).
(2) Fraqueza de vontade: (a) da vontade de impulso (sim), (b) da vontade de inibição (não), (c) da vontade de coordenação (não) — disposições às avessas destas (isto é, b, c, a).
(3) Fraqueza da vontade do impulso: (a) por debilidade mórbida, como no idiota ou imbecil, no louco deprimido e no inferior mental; (b) por debilidade constitucional, como no vadio (este capaz de impulsos súbitos, mas não de impulsividade contínua, e menos capaz de vontade coordenada do que qualquer outro); (c) por excesso de actividade mental (em que esta deficiência liga com a presença de vontade de coordenação, falhando esta apenas se não há uma emoção forte que forneça um elemento impulso por trás). O raciocínio elimina (a) e (b); subsiste (c).
(4) Que espécie de actividade mental é que produz a falta de vontade de impulso? Há três: (a) o temperamento imaginativo e especulativo (este incapaz de um esforço de coordenação ainda mais que de um esforço de impulso, e análogo por isso ao vadio, supra); (b) o temperamento artístico e literário, em que a vontade é virada para dentro (cf. Leonardo da Vinci) (Hamlet); (c) o temperamento simplesmente concentrado. Estes variam em que (a) não age senão ocasionalmente em coisas quotidianas e mínimas, em que o esforço é quase nulo, ou ao sabor de entusiasmos factícios; (b) ou age perfeitamente só para dentro, em obras literárias e artísticas, gastando nelas a sua vaga impulsividade, e a sua vontade coordenadora, desistindo até frequentemente nelas pelo excesso de escrúpulo estético ou racional; (c) só age quando uma ideia única, que se apoderou poderosamente do espírito chegou à maturação e, mesmo assim, quase sempre, se não sempre, só quando uma circunstância externa expõe ao próprio essa maturação. (a) É um disperso por natureza, (b) um concentrador, (c) um concentrado.
(5) Tipos de concentração: O que é concentração? A fixação de todas as forças do espírito em torno de um elemento……… Há a concentração em torno (a) de uma ideia, (b) de uma emoção, (c) de um propósito. A primeira é a do indivíduo que medita determinada coisa, que só a realiza se uma oportunidade flagrante se oferece, dado que lhe falta a vontade... A segunda é a do indivíduo que sente intensamente determinada coisa, que só realiza se lhe aparece uma oportunidade que, primeiro, esclareça bem para ele mesmo o que ele sente, segundo, mova fortemente a vontade, passando-a para a categoria do concentrado do tipo (a). A terceira é a do indivíduo que tem um propósito firme, para o qual procura oportunidade. No caso presente, trata-se manifestamente do caso (b).
(6) Tipos de concentração emotiva: (a) pela emoção atractiva (como a de querer uma mulher), (b) pela atracção repulsiva (como a de odiar alguém), pela emoção abstracta ou intelectual, que não pertence a nenhuma destas categorias, envolvendo as de um sentimento religioso ou misticismo político, etc. Trata-se, neste caso, de (b).
(7) Tipos de emoção repulsiva: (a) ofensiva, (b) defensiva, (c) combinação das duas (como quando se quer atacar um indivíduo para tomar posições). Aqui (b).
(8) Tipos de emoção defensiva: (a) habitual, isto é, paranóia (excluída neste caso); (b) ocasional (excluída neste caso pela premeditação, etc.); (c) mistura das duas, tendo a intensidade da habitual e a impulsividade (?) da ocasional. O temperamento de (c) tem pois analogia com o temperamento do paranóico no fundo, com o ocasional na superfície. É um paranóico inteiramente lúcido, isto é, tem todos os característicos da paranóia, menos o delírio central, que de facto constitui a paranóia.
(Se me é permitido usar de um paradoxo, direi, em conclusão desta série de raciocínios, que o autor deste crime é um paranóico com juízo.)
Ficção e Teatro. Fernando Pessoa. (Introdução, organização e notas de António Quadros.) Mem Martins: Europa-América, 1986
- 139.«O Caso Vargas». 1ª publ. in A Novela Policial-Dedutiva em Fernando Pessoa . Fernando Luso Soares. Lisboa: Diabril, 1976