B. Assim separados, amar-nos-emos sempre…
B. Assim, separados, amar-nos-emos sempre. A ponte entre nós será a curva do céu, e assim o nosso amor será eterno. Possuir-te era já o caminho de perder-te. Viver contigo era a maneira de te ir esquecendo.
O que concluir de tudo isto? Nada. Dissemos muitas verdades mas elas contradizem-se umas às outras.
Os sonhos quando passam na água são repuxos também porque a gente pode senti-los do mesmo modo. Quanto a gente os sente, se depois fechar os olhos, aquilo que se sente transforma-se em repuxos que a gente vê. Eu acho que [há] muito a explorar nas nossas sensações. Há grandes interiores de continentes dentro de nós, com mistérios a desvendar. Quem sabe, amor, se raças diferentes das nossas habitarão esses sítios desconhecidos (inexplorados)? Habituei-me sempre a olhar para as minhas sensações como para uma coisa exterior.
— De que havemos de falar?
— De qualquer cousa. Do mistério das cousas e das formas das flores. São cousas iguais quando a medida é Deus. O mistério das cousas (...) E as formas das flores foram os primeiros contos de fadas.
— Às vezes, quando acordo de noite, sinto parar de repente, para que eu não vá ouvi-lo, o ruído das mãos que estão tecendo o meu destino. Vejo no ar fragmentos do meu futuro, rápidas sombras, e tendo uma vaga intuição da unidade divina do meu ser. Eu sou uma frase divina com um sentido que me escapa.
«Diálogo no Jardim do Palácio». Ficção e Teatro. Fernando Pessoa. (Introdução, organização e notas de António Quadros.) Mem Martins: Europa-América, 1986
- 213.1ª publ. in Fernando Pessoa et le Drame Symboliste. Teresa Rita Lopes. Paris: F. C. Gulbenkian, 1977