O problema que nos confronta é três problemas:
Interregno
O problema que nos confronta é três problemas: como transformar o indivíduo português? como transformar o estado português? como transformar a nação portuguesa?
Estes problemas têm que ser aceites na base da sua realidade. Quando se trata de transformar o indivíduo português, trata-se de transformar o indivíduo português actual, e não um indivíduo português abstracto, que se chama, em português, Ninguém. Quando se trata de transformar o estado português trata-se de extrair um estado português da situação de ditadura militar, que é a que existe, e não de outra qualquer coisa que não exista, e de onde, portanto, se não pode extrair coisa alguma. Quando se trata de transformar a nação portuguesa, trata-se de construir a mentalidade nacional sobre os alicerces que há e não sobre os alicerces que já aqui não estão, ou sobre os que hão-de vir, que é a maneira estúpida de dizer os que naturalmente nunca vêm.
Temos pois que estudar a maneira de transformar o português presente em ente humano; de transformar o estado português, na sua presente forma transitória, em estado constituído e certo; de dar à nação portuguesa uma orientação definida, partindo de onde estamos, e não de outra parte qualquer.
Este problema complexo torna-se simples se nos lembrarmos de olhar para ele, e não para outro lado do espaço social.
É no interregno que nascem os Reis. Não se trata, infelizmente, de reis gente, mas de reis metáfora.
Da República (1910 - 1935) . Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Mourão. Introdução e organização de Joel Serrão). Lisboa: Ática, 1979.
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