[Cartas a João Gaspar Simões - 17 Out. 1929]
17 de Outubro de 1929.
Meu querido Camarada:
Muito agradeço a sua carta de 13. Não há que pedir desculpa de demoras a quem, normalmente, teria que pedir cinco desculpas, nesse sentido, por cada justificação alheia...
Concordo inteiramente com o que me diz sobre a publicação das obras do Sá-Carneiro, dadas as circunstâncias que me expõe. E, nesses termos, acho de aconselhar que a edição se faça, sendo possível, em dois volumes, porém não com a divisão que lembra, porque essa os tornaria inconformes. Os poemas (Dispersão e Indícios de Ouro) não formam um volume do vulto das prosas. Para se estabelecer um equilíbrio, isto é, um equilíbrio de volume a volume, haveria que formar dois tomos, e da seguinte maneira: (1) Poemas Completos e Confissão de Lúcio, (2) Céu em Fogo. O Céu em Fogo ocupa (estudei já o assunto) o mesmo espaço em páginas que os poemas e a Confissão juntos.
Isto é para a hipótese de dois volumes. Querendo cindir em volumes pequenos, então o caso é razoavelmente simples; como o dos dois volumes é simples também. Em volumes pequenos, a edição seria assim: (1) Poemas Completos (isto é, Dispersão e Indícios de Ouro); (2) A Confissão de Lúcio; (3) Céu em Fogo (metade); (4) Céu em Fogo (segunda metade). Assim, em matéria de páginas, também a edição estaria equilibrada.
Reflectindo sobre a questão dos prefácios ou introduções, acho preferível seguir o conselho célebre do Punch às pessoas que vão casar – «Não». Sim, acho preferível não pôr prefácios nenhuns. Não explicar ainda é uma das grandes condições de imposição e de vitória. Nem as duas breves páginas que escrevi na Athena devem, a meu novo ver, pré-comentar. Fique a obra como é, e sem mais a ser.
Quanto à Antologia da Nova Poesia Portuguesa, ficam desde já e definitivamente autorizados a escolher o que quiserem de meu ou trans-meu (Caeiro, Campos, Reis e o que mais haja ou possa haver). Sobre poemas inéditos, tenho aproximadamente uma biblioteca virtual; mas só de aqui a dois meses – conto nesse intervalo ter percorrido com alguma atenção tudo isso – lhe poderei dizer se há por ali valia que valha, e, ainda assim, no falso critério do crítico de si mesmo.
No que diz respeito à colaboração para a Presença, amanhã, ou de aqui a dois ou três dias, o mais tardar, lhe enviarei qualquer coisa. Sim, será um ou outro produto daquelas tempestades mentais de que lhe falei. Mas será obra serena e até lânguida. Assim são os grandes repousos que se seguem às tempestades que não são mentais; e, se empregamos uma metáfora, é de toda a decência segui-la em regime de paralelas.
Abraça-o com grande afecto e grande apreço o
sempre e muito seu,
Fernando Pessoa.
Cartas de Fernando Pessoa a João Gaspar Simões. (Introdução, apêndice e notas do destinatário.) Lisboa: Europa-América, 1957 (2.ª ed. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1982).
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