Aos argumentos de Zenão de Eléa os seus contraditores opuseram...
Aos argumentos de Zenão de Eléa os seus contraditores opuseram só três ordens de razões, todas elas falsas:
1) Os que, como o solvitur ambulando atribuído a Diógenes o Cínico, respondem afirmando o facto aparente, o que Zenão não negou como aparente, senão como real; o que é como se eu, afirmando que «vi» o objecto de uma alucinação minha — o que é indubitável, visto que é uma alucinação minha — julgam provar com isso a sua realidade.
2) Os que explicam a sofística de Zenão como inevitável dado que se toma o espaço, ou o movimento, ou ambos, por «realidades». Tal argumento não o é; é concordar com Zenão. Ele mais não afirma que, se forem tidos o espaço e o movimento como reais, se mostrarão, como tais, absurdos, isto é, se mostrarão irreais.
3) Os que, considerando o movimento nem como coisa nem como simples conceito, o consideram todavia como relativamente coisa, como função de um corpo, por assim dizer... Nada importa esta hipótese ao argumento de Zenão. Negado o movimento como função do ser, queda pensada [?], por exclusão da única hipótese contra, a «imobilidade» como função dele. E é isso que constitui um dos pontos essenciais da metafísica dos Eleates.
O essencial, na ideia de movimento, é o conceito de posição . Se consideramos a posição de um corpo como um facto estranho a ele, não poderemos responder a nenhum dos argumentos dos Eleates. Desta forma, porém, considerando a posição de um corpo, isto é, o lugar, a porção de espaço, que ocupa (relativamente a outros corpos) como um atributo do próprio corpo, como um elemento diferente da sua própria essência, teremos, ao mesmo tempo, respondido aos argumentos de Zenão e aberto uma porta nova ao problema. Porque assim o corpo que se move vai deixando de ser, por mover‑se, o mesmo corpo, visto que vai mudando de posição, e a posição é, por hipótese, um atributo, ou generalidade definidora ou delimitadora do próprio corpo. Nada se «move»: tudo muda.
Chegamos, assim, ao conceito da posição como quarta dimensão.
(A posição é o estado temporal de um corpo?)
Durar é deslocar‑se. Nada pode durar ficando no mesmo sítio. Assim o tempo é, não uma quarta dimensão do espaço, senão a condição dessa quarta dimensão. Dizendo de outro modo: a posição, sendo a quarta dimensão de um corpo no espaço é a sua segunda dimensão no tempo. (?)
O tempo não é uma condição do espaço, senão uma condição do conhecimento — e por isso do conhecimento do espaço.
O que espacialmente é mudança de posição é temporalmente mudança de ser. (?)
O movimento é o nome que damos ao facto de um corpo deixar de ser o que é essa coisa das duas dimensões, que é a posição. — Mas nas outras, permanece o mesmo?
Há corpos simultâneos? Se os há, como o são? O tempo é dimensão de cada corpo? Que quantidade de tempo?
O tempo é sinónimo, ou não, de simples existência?
Se o tempo fosse uma dimensão não haveria corpos simultâneos.
É só «instantaneamente», ou, antes extra‑temporalmente que qualquer corpo existe. O tempo ´faz» com que seja outro corpo. O tempo é uma antidimensão. Toda a linha recta é portanto recta logo que não «dure».
Tudo quanto é expresso em termos de tempo, é expresso em termos de aquilo, em termos do que nada pode ser expresso.
Serão o tempo e o espaço coordenadas? (O destino de cada ser determinável por elas). (A astrologia explicável como esta coordenação?) A metafísica é uma geometria, ou supergeometria, a três coordenadas — tempo, espaço e ser (consciência)?
(«Zenão de Eleia, e o Problema do movimento»).
A esfera como infinita, ou centros como infinitos. Mas o raio da esfera?
Textos Filosóficos . Vol. I. Fernando Pessoa. (Estabelecidos e prefaciados por António de Pina Coelho.) Lisboa: Ática, 1968 (imp. 1993).
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