Não é que não publique porque não quero: não publico porque não posso.
Não é que não publique porque não quero: não publico porque não posso. Não se entendam estas palavras como dirigidas contra a Comissão de Censura; ninguém tem menos razão de queixa do que eu dessa Comissão. A Censura obedece, porém, a directrizes que lhe são superiormente impostas; e todos nós sabemos quais são, mais ou menos, essas directrizes.
Ora sucede que a maioria das coisas que eu pudesse escrever não poderia ser passada pela Censura. Posso não poder coibir o impulso de escrevê-las; domino facilmente, porque não o tenho, o impulso de as publicar nem vou importunar os Censores com matéria cuja publicação eles teriam forçosamente que proibir.
Sendo assim para quê publicar? Privado de poder publicar o que deveras interessará o público, que empenho tenho eu em levar a um jornal qualquer o que, por ilegível, lhe não serve, ou que (...)
Posso, é certo, dissertar livremente (e, ainda assim, só até certo ponto e em certos meios) sobre a filosofia de Kant (....)
Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966.
- 83.