[Cartas a João Gaspar Simões - 22 Out. 1930]
Apartado 147.
Lisboa, 22 de Outubro de 1930.
Meu querido Gaspar Simões:
Muito e muito obrigado pela sua gentilíssima carta. Como me haveria de desagradar que me honrasse com um comentário ao meu poema? Nada nisso me pode desagradar senão o intervalo entre a sua carta e a visão do escrito impresso na Presença. Quando sai este número? Como vê, sou directamente modesto, mas compenso-o com ser, como de facto sou, gratíssimo à sua amizade constante e à sua simpatia animadora.
A advertência de publicar ou não o poema derivou-me, simplesmente, de eu não poder prever, por não ter elementos para a conhecer, a sua atitude perante assuntos como aquele em que o poema assenta. Podia bem ser que esses assuntos lhe fossem – a si, ou a outrem da Presença – repugnantes ou antipáticos ; e eu não queria que se constrangessem a publicar qualquer escrito meu que lhes não merecesse simpatia, não só estética, mas também, por assim dizer, pessoal.
Sucede que, por eliminar sempre os envelopes das cartas que recebo, dirigi a minha carta anterior para o antigo endereço da Presença, pois o seu novo endereço existia somente – como fora de horas me lembrei – no verso de um dos envelopes eliminados. Na impossibilidade de recordar esse novo endereço, dirigi a minha carta para a antiga morada, calculando que houvesse aviso, no correio, para a transmissão. Desculpe-me se houve com isto qualquer transtorno ou demora. Registro o seu endereço presente, e o envelope desta carta já vai certo. (Este último parágrafo é bastante intelectual, não é?)
Creia sempre na amizade e na admiração do camarada muito dedicado e grato,
Fernando Pessoa.
Cartas de Fernando Pessoa a João Gaspar Simões. (Introdução, apêndice e notas do destinatário.) Lisboa: Europa-América, 1957 (2.ª ed. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1982).
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