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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

COMO É QUE A REPÚBLICA NOVA PODE CONTINUAR A REPÚBLICA?

Como é que a República Nova pode continuar a República?

O movimento de 5 de Outubro, na sua intenção, não nos seus resultados, foi feito contra o tipo de governantes que havia estado no poder. Continuar a obra da República é, antes de mais nada, realizar a intenção, não direi que levou os revolucionários a combater, mas que pôs a boa vontade e o aplauso da nação inteira por trás dos revolucionários. Todos sabemos que mesmo [os] monárquicos viram com bons olhos o 5 de Outubro. A razão era que esperavam que a revolução trouxesse a reforma. Esta esperança é justa; uma revolução traz sempre uma reforma, mas o que não a traz é imediatamente. O que traz imediatamente é a anarquia, a indisciplina e a desorganização. Isto é, a melhor das revoluções começa por pôr tudo pior do que estava. Como a Revolução não trouxe este resultado milagroso, passou grande número de gente a odiar a República, como se a República fosse adulta nos anos seguintes a nascer — ela, uma instituição para quem os anos contam por menos tempo do que para uma pessoa. E assim se disse "A República faliu" — frase característica das mentalidades estranhas à compreensão científica e em quem o Milagre é ainda o tipo esperado de acontecimento.

Temos, pois, que a República Nova, no que continuadora da Velha, tem que continuar a sua obra destrutiva, curando apenas de dirigir essa destruição sobre os verdadeiros pontos em que deve incidir. Esses pontos são três, um só dos quais os da R[epública] V[elha] visaram:

(1) Republicana, porque a Monarquia, sendo o sistema concentrador de tudo quanto nos atrasou e fez decair, tem de ser mantido fora do poder, de mais a mais estando ainda seguindo a mesma orientação no exílio, tendo ainda os mesmos vultos que a comprometeram, não tendo ainda mostrado o menor arrependimento pelos defeitos e erros que a afundaram.

(2) A substituição do tipo de governante. É aqui o ponto capital, para o qual os da R[epública] V[elha] não olharam, porque não podiam olhar. Uma reforma no governo de um país faz-se substituindo o tipo de governantes. A monarquia caiu, entre outras coisas, porque era governada por bacharéis, políticos profissionais e caciques. Para se levar ao seu fim a República, no que destrutiva, tem esta que se apoiar em classes inteiramente diferentes. Tem que ir às classes que nunca governaram, como forças corporativas. Essas classes são o Exército, o Comércio e a Indústria, e o que se pode chamar os Indiferentes (neste caso as classes cultas que se têm abstido, como classe, de intervir no governo).

(3) (...)

s.d.

Da República (1910 - 1935) . Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Mourão. Introdução e organização de Joel Serrão). Lisboa: Ática, 1979.

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