1. Qualquer situação política que se definir pelo processo...
1. Qualquer situação política que se definir pelo processo definitivo da conquista do poder deve, não só para que se mantenha, mas para que se mantenha utilmente, atingir uma consciência de si — da sua natureza e dos seus fins — que lhe permita organizar-se como sistema de acção política, isto é, limitar nitidamente a esfera de acção que naturalmente lhe compete, e operar segundo princípios fixos dentro dessa esfera fixa de funcionamento. Em outras palavras, toda a situação política vitoriosa, visto que, por vitoriosa, manifesta aproveitar uma oportunidade, deve, para viver, tomar para princípio basilar um oportunismo; mas, para estabilizar-se, tem que ser, mais do que um oportunismo, um oportunismo científico. E um oportunismo científico quer dizer uma adaptação às necessidades do meio político feita mediante uma análise cuidadosa de qual é, sociologicamente, o sentido essencial desse momento político, isto é, considerando-o não como um jogo de partidos, mas como um jogo de forças nacionais. Sem esse estudo preliminar, esse cuidado anterior à acção, a situação política mais favoravelmente iniciada murcha sem que perceba como, claudica sem saber porquê, ou, se persiste, persiste por dádiva do Destino, como o menino e o borracho, a quem, como diz o provérbio, Deus põe a mão por baixo. É que lhe falta a consciência do fim para que existe, a noção do sentido que tem, o conhecimento completo de si própria como correspondendo a um fim.
2. Aplicando o critério aqui esboçado à situação política criada pela contra-revolução Republicana de 8 de Dezembro, vê-se que temos que determinar, primeiro, qual é o sentido sociológico dessa contra-revolução no processo evolutivo da política geral da nacionalidade portuguesa; segundo, em que princípios oportunistas é que essa situação política é, portanto, obrigada a assentar; terceiro, de que maneira pode pôr em prática esses princípios e remover os obstáculos que se opõem a que ela os ponha em prática.
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Da República (1910 - 1935) . Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Mourão. Introdução e organização de Joel Serrão). Lisboa: Ática, 1979.
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