Qualquer sistema de pensar que se ocupa de Deus, da Liberdade e...
Qualquer sistema de pensar que se ocupa de Deus, da Liberdade e da imortalidade, quer afirmando-as quer negando-as é metafísico. A ciência não nega Deus, nem o livre-arbítrio (no seu sentido restrito) nem a imortalidade; também não os afirma. Nada tem com isso, por uma razão muito simples: a ciência investiga observando directa ou indirectamente (isto é, pela experimentação, que é uma observação provocada). As coisas que não se podem observar pelos sentidos, medir, experimentar, não pertencem a ciência alguma, não podem ser objectos dela. Assim miserável e pomposamente Haeckel quando no seu [...] ensaio metafísico «Os Enigmas do Universo», fazendo metafísica panteísta-materialista.
Chama-se a este modo de entender as coisas (o) racionalismo, mas há idiotas que entendem que o racionalismo é ateísta. Não. O racionalismo não é sectário, e o ateísmo como o teísmo — são sectarismos metafísicos.
Entre a ciência e a metafísica não há, pois, contradição; há exclusão mútua. São dois modos de encarar os fenómenos. Com a religião como sistema metafísico a ciência nada tem, é com a religião como revelação que a ciência se põe em guerra.
Os campos da religião e da metafísica não devem confundir-se. E assim como a ciência não pode erigir-se em metafísica, a metafísica não pode erigir-se em ciência. Nem deve o real subir ao supra-real, ou ultra-real, nem este aquele. Ora a religião é isto justamente.
Textos Filosóficos . Vol. II. Fernando Pessoa. (Estabelecidos e prefaciados por António de Pina Coelho.) Lisboa: Ática, 1968.
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