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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

Quanto fui jaz. Quanto serei não sou.

Quanto fui jaz. Quanto serei não sou.

No intervalo entre o que sou e estou,

A natureza, exterior, tem Sol.

Mas, se tem Sol, há Sol. Ao Sol me dou.

Não queiras, com submissa segurança,

Ter saudade de ter esperança.

Tem antes saudade de a não ter.

Sê anónimo, súbito e criança.

Nada esperes, que nada salvo nada

Obtém que[m] espera: é como quem à estrada

Lance olhos de esperar que alguém lhe chegue

Só porque a estrada é feita para andada.

Ninguém suporta o peso mau dos dias

Salvo por interpostas alegrias.

Bebe, que assim serás o intervalo

Entre o que criarás e o que não crias.

Quantas vezes o mesmo poente alheio

Sobre meu sonho, como um sonho, veio!

Quantas vezes o tive por augusto!

Tantas, tornado noite, perde o enleio.

Bebe. Se escutas, ouves só o ruído

Que ervas ou folhas trazem ao ouvido.

É do vento, que é nada. Assim é o mundo:

Um movimento regular de olvido.

4-10-1932

Novas Poesias Inéditas. Fernando Pessoa. (Direcção, recolha e notas de Maria do Rosário Marques Sabino e Adelaide Maria Monteiro Sereno.) Lisboa: Ática, 1973 (4ª ed. 1993).

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