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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

Aquilo que a gente lembra

Aquilo que a gente lembra

Sem o querer lembrar,

E inerte se desmembra

Como um fumo no ar,

É a música que a alma tem,

É o perfume que vem,

Vago, inútil, trazido

Por uma brisa de agrado,

Do fundo do que é esquecido,

Dos jardins do passado

Aquilo que a gente sonha

Sem saber de sonhar,

Aquela boca risonha

Que nunca nos quis beijar,

Aquela vaga ironia

Que uns olhos tiveram um dia

Para a nossa emoção —

Tudo isso nos dá o agrado,

Flores que flores são

Nos jardins do passado

Não sei o que fiz da vida,

Nem o quero saber

Se a tenho por perdida,

Sei eu o que é perder?

Mas tudo é música se há

Alma onde a alma está,

E há um vago, suave, sono,

Um sonho morno de agrado,

Quando regresso, dono,

Aos jardins do passado.

s. d.

Novas Poesias Inéditas. Fernando Pessoa. (Direcção, recolha e notas de Maria do Rosário Marques Sabino e Adelaide Maria Monteiro Sereno.) Lisboa: Ática, 1973 (4ª ed. 1993).

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