Proj-logo

Arquivo Pessoa

OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
pdf
Fernando Pessoa

Que linda é quem não és!

Que linda é quem não és!

Teu anonimato vivo

Dorme, da cabeça aos pés,

Teu corpo, de ti cativo.

Teu corpo é teu prisioneiro.

Vive na cela de ti,

Íntegro, móbil, inteiro,

Ébrio de ti e de si.

És uma frase perfeita

De um livro escrito na vida.

E as vozes com que és eleita

Deixam-te falsa e esquecida.

Entre ti e o que és de bela

Grandes paisagens estão.

(…)

Não existes como estás.

Existe-te uma intenção

Que teu lindo corpo traz

À tona da sensação.

És uma alma em cuja vida

Puseram teu corpo a ser.

Essa beleza vivida

És tu, sem te pertencer.

Qualquer espírito alto

Serviu-se de haveres tu

Para esculpir no basalto

Do abismo teu corpo nu.

E assim olhas-me distante,

Mas não te olho. Vejo em ti

Não a alma flutuante

Que usas, mas teu corpo em si.

Bem podes usar em gozo

Do corpo que deram teu.

Fica sempre misterioso,

Filho da terra e do céu.

Não te pertence. Passou

Na terra como o que tem

Mais que tua alma sonhou.

Não vives, e ele é alguém.

2-9-1933

Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes). Lisboa: Livros Horizonte, 1993.

 - 10.