Meu pensamento, dito, já não é
Meu pensamento, dito, já não é
Meu pensamento.
Flor morta, bóia no meu sonho, até
Que a leve o vento,
Que a desvie a corrente, a externa sorte.
Se falo, sinto
Que a palavras esculpo a minha morte,
Que com toda a alma minto.
Assim, quanto mais digo, mais me engano,
Mais faço eu
Um novo ser postiço, que engalano
De ser o meu.
Já só pensando escuto-me e resido.
Já falo assim.
Meu próprio diálogo interior divide
Meu ser de mim.
Mas é quando dou forma e voz do espaço
Ao que medito
Que abro entre mim e mim, quebrado um laço,
Um abismo infinito.
Ah, quem dera a perfeita concordância
De mim comigo,
O silêncio interior sem a distância
Entre mim e o que eu digo!
Novas Poesias Inéditas. Fernando Pessoa. (Direcção, recolha e notas de Maria do Rosário Marques Sabino e Adelaide Maria Monteiro Sereno.) Lisboa: Ática, 1973 (4ª ed. 1993).
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