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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

NIILISMO — Eremita

NIILISMO — Eremita

O sujeito ao ser pensado como sujeito é objecto...

O não‑ser para ser não‑ser precisa ser, isto é, ter ser; isto é abstracto mas o argumento agora versa abstracções Metafisicamente, a inversa é igualmente certa. O ser para ser não‑ser precisa não‑ser.

Isto vem tudo de que não‑ser e ser são para nós ideias; nunca os podemos considerar absolutamente. Estão por isso sempre desmentindo‑nos. Não são senão pensados. Há sempre mesmo abismo entre eles e a nossa ideia deles.

Ora o Universo é pensado. Está, portanto, nas condições de ser apreciado (contingentemente) pelos argumentos de ser e não‑ser.

Se o Universo é o não‑ser absoluto, não existe; se é o não‑ser relativo é o ser.

Ora se o não‑ser para ser não‑ser tem de ser, se o Universo é o não‑ser, para não‑ser tem de ser, isto no que

pensamento. Coincide, portanto, com o facto do universo ser (que nunca podemos eliminar). O Universo é, portanto, o não‑ser.

O Universo aparece‑nos como ser. É‑nos impossível pensá‑lo como não‑ser, e temos que pensar, se pensamos. Mas se pensamos o nosso pensamento, o Universo passa a ser não‑ser, porque antes do conhecimento (que é o pensar o pensamento) o Universo incognoscível imediatamente, é o não‑ser. Ora a filosofia é, ou o pensamento ou o pensamento do pensamento. O pensamento não é porque o pensamento é a simples ideia, o simples Experienciar. É, portanto, o pensamento do pensamento, mas o pensamento do pensamento não é, afinal, pensamento? É e não é. É o único pensamento diversificado. O sujeito pensado como sujeito é pensado, ipso facto, por ser pensado, como objecto, mas como objecto contraposto a todos os outros objectos concebidos pensa‑se em Deus, o sujeito substância dele próprio — pensando‑se, isto é, no que pensado, no pensar, pelo acto de pensar, pensado assim.

Mas porque havemos de preferir o pensamento reflexo ao pensamento puro? Porque, ou o pensamento é critério de verdade ou não. Se o pensamento é critério de verdade, não pode haver erro em pensá‑lo. Se ele pertence ao objecto é tão legítimo pensá‑lo como ao resto do Objecto. Se não pertence tanto mais o é, porque é o criador do Objecto. Mas não será impensável? Como objecto é, e vamos dar ao caso anterior. Se não é, [critério de verdade] o Universo, que é pensado, e assim, porque assim pensado, é o não‑ser, mas não‑ser é do pensamento. Mas visto que do pensamento não podemos sair, para o pensamento, se o pensamento não é critério de verdade, o pensamento é não‑ser. (A única coisa que o pensamento não pode pensar como não ser é ele próprio. É esta a base do dictum basilar de Descartes). (1)

Visto ser‑nos impossível conceber o pensamento em si como não ser, excepto no pensamento pensado, e ele, para ser objecto da filosofia, é pensado que existe, o Objecto, ab initio concebido como oposto ao pensamento é, portanto, para o pensamento formalmente não‑ser. Pensar é irrealizar: e se irrealizar para ser irrealizar precisa ser realizar, pensar é ser.

Portanto, o Universo não existe. O que existe não sabemos.

O Universo com suas obras (...) nem sequer é uma ilusão.

O sujeito puro é impensável. As maiores abstracções — ser ou não‑ser — são elas próprias contraditórias e Objecto.

O niilismo é metafísico. Não tem moral. A moral pertence à ilusão e à ciência da ilusão chamada sociologia.

O niilismo não é nem optimista nem pessimista. Bem‑Mal são para ele Objecto, não‑ser, portanto.

O nosso desesperar como a nossa esperança são Objectos, falsos, ambos, portanto. [...]

(1) N.B. Se o pensamento não se pode pensar como não‑ser, é o ser. Não: também não se pode pensar como o ser. É o algo entre o ser e o não‑ser. Como pensamento pensado não se pode pensar ser; como pensamento em si, pode, mas nunca pode atingir‑se. O único noumenon é o pensamento em si. O pensamento deixa de ser em‑si por ter objecto. A filosofia que é o pensamento reflexo, é acto, divino regresso do mundo a Deus, pela consciência da ilusão, (ou é a causa deste mito a ilusão dele, a fé que dele nasce).

1913?

Textos Filosóficos . Vol. I. Fernando Pessoa. (Estabelecidos e prefaciados por António de Pina Coelho.) Lisboa: Ática, 1968 (imp. 1993).

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