A COTAÇÃO C.I.F. INCLUI AS DESPESAS COM A FACTURA CONSULAR?
A COTAÇÃO C.I.F. INCLUI AS DESPESAS COM A FACTURA CONSULAR?
Como toda a gente sabe, é elemento necessário em todas as cotações comerciais a indicação do lugar de entrega da mercadoria.
São de fácil compreensão as indicações usuais para transacções na mesma praça, ou dentro do país, não surgindo, em geral, mal-entendidos, senão por lapso de redacção ou omissão involuntária ou propositada.
Quando, porém, se trata de importadores, e de cotações, para estes, de exportadores estrangeiros, é conveniente saber-se bem o que abrange o sentido das abreviaturas que em geral se empregam para esses fins.
A mais simples, e a que menos se presta a complicações é a vulgaríssima F.O.B. (free on board), que, como toda a gente sabe, indica que a mercadoria é posta “livre a bordo”, isto é, que todas as despesas desde que ela entra a bordo, começando pelo frete e pelo seguro, são de conta do comprador.
Menos vulgar é a cotação F.A.S. (free along side), que quer dizer “livre ao lado” do navio — isto é, a mercadoria posta no cais, ou em batelão, junto do barco em que há-de ser carregada. São em geral, os americanos que usam — e, ainda assim, poucas vezes — esta fórmula, que importa, em todo o caso, não ignorar.
É, porém, com a cotação C.I.F., que indica, como todos sabem, que a cotação inclui o custo da mercadoria, o seu frete e o seu seguro, que pode surgir um ponto de dúvida, e tanto pode surgir que efectivamente surgiu, sendo assunto de uma consulta feita o ano passado à Associação Comercial de Lisboa, e de uma opinião interessante e decisiva de um dos membros da sua Secção de Importação e Exportação — opinião essa que a Direcção desta Câmara de Comércio aceitou e fez sua por unanimidade.
Trata-se de saber se o certificado de origem e a factura consular — no caso da consulta tratava-se especialmente da factura consular — se devem considerar incluídos na cotação C.I. F.. A solução seria indiferente se a factura consular não ascendesse por vezes a uma percentagem relativamente alta sobre o preço de factura da mercadoria. E, mesmo que assim não fosse, nunca haveria mal em se compreender bem o assunto. Salvo entendimento em contrário, as casas exportadoras estrangeiras, e nomeadamente as americanas, facturam à parte — isto é, fora do preço C.I.F. — as despesas com a factura consular ou com o certificado de origem. É bom, saber-se que assim fazem. Mas também interessa saber se assim na verdade deve ser.
Em Julho de 1924, uma firma importadora de Lisboa formulou à Associação Comercial esta pergunta: «Se a cotação C.I.F. (sem outra indicação) para qualquer mercadoria de um porto estrangeiro para Portugal compreende as despesas com a factura consular, ou devem essas despesas ficar a cargo do comprador?»
Consultada a secção de Importação e Exportação sobre este problema, deu um dos membros dessa secção, o Sr. Carlos Moitinho d'Almeida, a seguinte resposta, que, devidamente autorizados, transcrevemos: «A indicação C.I.F. (cost, insurance, freight, isto é, custo, seguro, frete) deve entender-se, evidentemente, como abrangendo apenas aquilo que explicitamente indica. O problema posto pelo nosso consórcio consiste pois em determinar se a factura consular se pode presumir em qualquer das designações componentes da fórmula C.I.F. Pondo de parte o "seguro", que nada pode ter para o caso, temos que considerar se a factura consular se pode ter por parte necessariamente componente quer do "custo" quer do "frete" da mercadoria.
»Ora a factura consular é proveniente de uma exigência oficial do país importador, em cuja alfândega tem que ser apresentada; é natural pois que a consideremos, não como parte do "custo", ou mesmo do “frete", da mercadoria, mas como uma espécie de antecipação, ou primeiro documento, das despesas aduaneiras de importação.
»Se é assim — e assim parece dever ser — a factura consular deve ficar fora da designação C. I.F., como ficam todas as despesas aduaneiras no país importador. E o uso abona em absoluto este critério; o normal é o vendedor pagar a factura consular por conta do comprador, lançando a débito deste, ordinariamente na própria factura que lhe envia, a importância dela.
meu ver, pois, e salvo o caso de designação em contrário a despesa com a factura consular não deve entender-se como incluída na designação C.I.F.»
Foi este o parecer que a Direcção da Associação Comercial de Lisboa adoptou, e que parece realmente fixar, de um modo inequívoco, a verdadeira doutrina sobre o assunto.
Cumpre porém advertir que há certos ramos do comércio — o do carvão, por exemplo — em que a “designação em contrário”, a que a opinião transcrita se refere, é subentendida. São casos, contudo, de ramos especiais de comércio que obedecem tradicionalmente a condições especiais; e esta é uma delas.
O assunto do âmbito da cotação C.I.F. ficará completamente esclarecido com a tradução seguinte (dos parágrafos que interessam) das “condições” impressas de uma grande firma industrial exportadora dos Estados Unidos:
«Salvo especificação em contrário ao dar-se a cotação, o seguro nas vendas C.I.F. entende-se ser unicamente o seguro marítimo, e apenas para o destino a que o preço de venda se refere, livre de avaria particular... Outras formas de seguro, quando se desejem, terão que ser explicitamente designadas pelo comprador antes de fechado o negócio, e o custo adicional será de conta dele.
»Todas as despesas consulares para legalizar as facturas, selar os conhecimentos ou outros documentos exigidos pelas leis do país a que as mercadorias são destinadas, serão pagas pelo comprador, e não serão incluídas no preço de venda. Salvo combinação em contrário, subentende-se que o vendedor fica autorizado a pagar estas despesas por conta do comprador, adicionando-as ao custo da factura. O vendedor obterá os documentos consulares na qualidade de agente do comprador, tendo este previamente explicado a forma pela qual as mercadorias devem ser declaradas; e, no caso que este o não tenha feito, o vendedor fará as declarações conforme julgar melhor, não sendo em caso algum responsável por multas ou outras despesas motivadas por qualquer erro em que a falta de instruções necessariamente o tenha induzido.»
Estes parágrafos, considerados juntamente com o parecer do Sr. Moitinho d’Almeida (que não só estabelece, mas justifica, a doutrina sobre o assunto), envolvem, a nosso ver, uma explicação suficiente da matéria.
Páginas de Pensamento Político. Vol II. Fernando Pessoa. (Introdução, organização e notas de António Quadros.) Mem Martins: Europa-América, 1986.
- 167.1ª Publ. in Revista de Comércio e Contabilidade, nº 1. Lisboa: 25-1-1926.