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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

I - Sim, farei...; e hora a hora passa o dia...

I

Sim, farei...; e hora a hora passa o dia...

Farei, e dia a dia passa o mês...

E eu, cheio sempre só do que faria,

Vejo que o que faria se não fez,

De mim, mesmo em inútil nostalgia.

Farei, farei... Anos os meses são

Quando são muitos-anos, toda a vida,

Tudo... E sempre a mesma sensação

Que qualquer coisa há-de ser conseguida,

E sempre quieto o pé e inerte a mão...

Farei, farei, farei... Sim, qualquer hora

Talvez me traga o esforço e a vitória,

Mas será só se mos trouxer de fora.

Quis tudo — a paz, a ilusão, a glória...

Que obscuro absurdo na minha alma chora?

II

Farei talvez um dia um poema meu,

Não qualquer coisa que, se eu a analiso,

É só a teia que se em mim teceu

De tanto alheio e anónimo improviso

Que ou a mim ou a eles esqueceu...

Um poema próprio, em que me vá o ser,

Em que eu diga o que sinto e o que sou,

Sem pensar, sem fingir e sem querer,

Como um lugar exacto, o onde estou,

E onde me possam, como sou, me ver.

Ah, mas quem pode ser quem é? Quem sabe

Ter a alma que tem? Quem é quem é?

Sombras de nós, só reflectir nos cabe.

Mas reflectir, ramos irreais, o quê?

Talvez só o vento que nos fecha e abre.

III

Sossega, coração! Não desesperes!

Talvez um dia, para além dos dias,

Encontres o que queres porque o queres.

Então, livre de falsas nostalgias,

Atingirás a perfeição de seres.

Mas pobre sonho o que só quer não tê-lo!

Pobre esperança a de existir somente!

Como quem passa a mão pelo cabelo

E em si mesmo se sente diferente,

Como faz mal ao sonho o concebê-lo!

Sossega, coração, contudo! Dorme!

O sossego não quer razão nem causa.

Quer só a noite plácida e enorme,

A grande, universal, solene pausa

Antes que tudo em tudo se transforme.

2-8-1933

Novas Poesias Inéditas. Fernando Pessoa. (Direcção, recolha e notas de Maria do Rosário Marques Sabino e Adelaide Maria Monteiro Sereno.) Lisboa: Ática, 1973 (4ª ed. 1993).

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