Repare-se: não temos receio que a sociedade se democratize
Teoria da República Aristocrática
Repare-se: não temos receio que a sociedade se democratize. Não pode haver democracia, porque o mero facto de haver sociedade inclui o facto aristocrático. Não se julgue, portanto, que o nosso protesto é contra a democracia como coisa que realmente exista ou ameace poder existir. Não pode, por sua natureza antinatural e autocontraditória.
O nosso protesto é contra o quererem fazer democracia quando o facto essencialmente social é absolutamente aristocrático. O nosso protesto representa o nosso pasmo perante a inutilidade de pregar e esforçar-se por pôr em prática doutrinas que, além de realmente impossíveis, prejudicam a existência das sociedades e o bem-estar social.
A democracia é uma (...)
Se uma sociedade subsiste, o mero facto de ela subsistir prova que nela se dá o facto aristocrático.
O que a vida moderna tem conseguido é apenas disfarçar e hipocrisar a operação desse facto, do facto aristocrático. Num país onde haja o sufrágio universal domina o povo? Não domina. Dominam os partidos. Dominam minorias. Isto é — o facto aristocrático persiste, disfarçado e hipócrita. Mas persiste. [...] A República Francesa é uma República oligárquica? Naturalmente. Se o não fosse, não podia existir França. Não há, nas repúblicas, nas sociedades, senão oligarquias.
Em Inglaterra, por exemplo, governam o povo, governam as maiorias?... Governam?
Ultimatum e Páginas de Sociologia Política. Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução e organização de Joel Serrão.) Lisboa: Ática, 1980.
- 82.