Proj-logo

Arquivo Pessoa

OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
pdf
Fernando Pessoa

Se, como sociólogos, sabemos que qualquer civilização precisa de uma fé para viver,

Se, como sociólogos, sabemos que qualquer civilização precisa de uma fé para viver, igualmente, como sociólogos, vemos que a fé cristã não é - ela mesma decadente - a que deve existir hoje. A sua decadência o indica. Portanto, fazemos trabalho salutar destruindo-a. Os povos construirão a fé que se lhe seguirá. D'isso não curemos nós; é difícil, senão impossível, antecipar qual a nova crença que uma sociedade adoptará, porque o indivíduo não pode abarcar o pensamento social senão limitada e com clareza, apenas negativamente.

O papel individual é destruir; o papel social é construir. Ataquemos pois o que sabemos velho, podre e decadente. A sociedade edificará depois o que haverá de lhe seguir. Destruir implica, socialmente, construir. Destruindo o velho, damos lugar ao novo, seja ele o que for. - É por isso que, sabendo nós que, actualmente, o c[ristianismo] é o velho, o decadente, a esterilidade e o inutil - nós, conquanto não saibamos claramente, nem nitidamente prevejamos o que se lhe seguirá, temos ainda assim a consciência de que, atacando o c[ristianismo] trabalhamos pela nova fé; que desviando [?] e tirando os escombros, preparamos o terreno para o edificio novo; que, arrancando as plantas que degeneraram em bravias, nós deixamos o lugar livre para a semente que germinará em planta, para, no fim, degenerar também em erva daninha, e ser arrancada por outros, para que outras plantas jovens nasçam, e assim indefinidamente e incompreensivelmente no suceder-se dos séculos, e em favor do mistério infinito.

s.d.

Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1990.

 - 66.

Indicação preliminar: «Epílogo ao Jeschú ben Pandira».