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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Álvaro de Campos

O sono que desce sobre mim,

O sono que desce sobre mim,

O sono mental que desce fisicamente sobre mim,

O sono universal que desce individualmente sobre mim —

Esse sono

Parecerá aos outros o sono de dormir,

O sono da vontade de dormir,

O sono de ser sono.

Mas é mais, mais de dentro, mais de cima:

É o sono da soma de todas as desilusões,

É o sono da síntese de todas as desesperanças,

É o sono de haver mundo comigo lá dentro

Sem que eu houvesse contribuído em nada para isso.

O sono que desce sobre mim

É contudo como todos os sonos.

O cansaço tem ao menos brandura,

O abatimento tem ao menos sossego,

A rendição é ao menos o fim do esforço,

O fim é ao menos o já não haver que esperar.

Há um som de abrir uma janela,

Viro indiferente a cabeça para a esquerda

Por sobre o ombro que a sente,

Olho pela janela entreaberta:

A rapariga do segundo-andar de defronte

Debruça-se com os olhos azuis à procura de alguém.

De quem?,

Pergunta a minha indiferença.

E tudo isso é sono.

Meu Deus, tanto sono!...

28-8-1935

Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).

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