Proj-logo

Arquivo Pessoa

OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
pdf
Fernando Pessoa

Não tenho quinta nenhuma.

Não tenho quinta nenhuma.

Se a quero ter pra sonhar,

Tenho que a extrair da bruma

Do meu mole meditar.

E então, desfazendo a névoa

Que há sempre dentro de nós,

Progressivamente elevo-a

Até uma quinta a sós.

Vejo os tanques, vejo as calhas

Por onde a água vai pequena,

Vejo os caminhos com falhas,

Vejo a eira erma e serena.

E, contente deste nada

Que em mim mesmo faço externo,

Gozo a frescura relvada

Da não-quinta em que me interno.

Vilegiatura impossível,

Dou-lhe nós para lembrar,

E esqueço-a ao primeiro nível

Do meu mole meditar.

30-3-1931

Novas Poesias Inéditas. Fernando Pessoa. (Direcção, recolha e notas de Maria do Rosário Marques Sabino e Adelaide Maria Monteiro Sereno.) Lisboa: Ática, 1973 (4ª ed. 1993).

 - 60.