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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

FIM

Fim

Meteu o revólver na boca e estremeceu ao senti-lo frio contra o céu da boca. Mas lembrou-se, não sem prazer [...], que assim se tinha suicidado Antero de Quental. Tirou o revólver e manteve-o na mão, descaída esta sobre a colcha, ao longo da perna.

Passaram assim por ele instantes sem tempo, de vida oca e neutra. Acordado para si, reparou de repente que o sol cessara, que tudo era cor de cinza, remoto, alheio, sem paladar para a vista.

Veio-lhe pela alma dentro o sentimento da inevitabilidade, da necessidade da

morte. Era como se ela estivesse chegando, [...] numa hora, como um comboio,

e ele simplesmente à espera. Uma última coisa qualquer caira-lhe da alma - já nem era lúcido. Parára-lhe o saber-se (...)Tornou a meter o revólver na boca. D'esta vez sentiu o frio do cano d'encontro o palato como quem sente uma coisa que não é nada, um pouco da cara d'encontro à mão. A apatia era absoluta. Tornara-se outro. Era a morte já.

Faltava o gesto último. Custou-lhe por ser simplesmente um gesto.

Tudo isto passou n’um minuto cheio de cinza de vida. Pouco a pouco ela foi morrendo em si.

Com o último ver dos olhos semicerrados viu só em torno a si uma bruma de vida…

Tudo era indeciso e sem fim.

Fechou os olhos e puxou o gatilho…

s.d.

Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1990.

 - 25j.

«Marcos Alves»