FIM
Fim
Meteu o revólver na boca e estremeceu ao senti-lo frio contra o céu da boca. Mas lembrou-se, não sem prazer [...], que assim se tinha suicidado Antero de Quental. Tirou o revólver e manteve-o na mão, descaída esta sobre a colcha, ao longo da perna.
Passaram assim por ele instantes sem tempo, de vida oca e neutra. Acordado para si, reparou de repente que o sol cessara, que tudo era cor de cinza, remoto, alheio, sem paladar para a vista.
Veio-lhe pela alma dentro o sentimento da inevitabilidade, da necessidade da
morte. Era como se ela estivesse chegando, [...] numa hora, como um comboio,
e ele simplesmente à espera. Uma última coisa qualquer caira-lhe da alma - já nem era lúcido. Parára-lhe o saber-se (...)Tornou a meter o revólver na boca. D'esta vez sentiu o frio do cano d'encontro o palato como quem sente uma coisa que não é nada, um pouco da cara d'encontro à mão. A apatia era absoluta. Tornara-se outro. Era a morte já.
Faltava o gesto último. Custou-lhe por ser simplesmente um gesto.
Tudo isto passou n’um minuto cheio de cinza de vida. Pouco a pouco ela foi morrendo em si.
Com o último ver dos olhos semicerrados viu só em torno a si uma bruma de vida…
Tudo era indeciso e sem fim.
Fechou os olhos e puxou o gatilho…
Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1990.
- 25j.«Marcos Alves»