A meu ver, precisamente o que é grande no sr. A. Caeiro…
A meu ver, precisamente o que é grande no sr. A. Caeiro é o modo como utiliza os métodos da poesia espiritualista e idealista para nos tornar completamente bela a sua poesia materialista.
Tivesse o sr. A.C. feito poesia absolutamente materialista, e veria como até o próprio materialismo da sua poesia sofreria. É aos armazéns do misticismo e do espiritualismo que a sua Musa vai buscar com que se engalanar.
A.C. é um dos maiores poetas da nossa época e da nossa terra. Só uma incompreensão da magnitude e da originalidade da sua obra, ou uma aversão idiota por ele podem esconder isto a qualquer pessoa competente para ter opiniões críticas.
A sua obra é assombrosamente original. Mesmo supondo ao seu autor uma cultura que abranja ter lido Whitman - e é aqui que o valor dela se verifica - nada nos explica como derivada, sai, possivelmente, a forma do verso. Mas este é, na verdade, tão casado com a forma das ideias de A.C., tão exactamente tal como não podia deixar de ser, que acho excusado e inútil pesquisar neste (...)
Quer conheça Whitman, quer não, o sr. A.C. é igualmente original e é original como ninguém.
Esta frase casual e usual cabe magnificamente a uma descrição do seu génio extraordinário. A.C. é original como ninguém. Não conheço, em tudo quanto é literatura, e que eu conheça, poeta tão original. Blake e Whitman lembram logo. Mas a obra do 1.º é plenamente [...], e a sua lira filosófica bebe a existência, em parte dos místicos e dos ocultistas, se bem que [...].
E Whitman não se eleva a uma concepção filosófica que de longe se pareça com virtude [?]. A.C. é, pois, mais, maior do que ambos esses grandes poetas.
A.C. representa uma reacção contra todos os movimentos presentes que têm qualquer coisa de místicos ou de artificiais. O simbolismo, o saudosismo, tanto um como (o) outro são inimigos da obra de A.C.
A.C. diz de si próprio que é «Sacerdote da Natureza», o «celeb[rante] das sensações verdadeiras». Não se repare no orgulho excessivo das frases, sem ler a obra e ver que elas têm, pelo menos, uma justificação subjectiva. Comprehende-se, antes de mais pensar no escritor, que por escrever O G[uardador] de R[ebanhos] possa escrever de si e da sua obra aquelas palavras excessivas.
Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1990.
- 357c.«A. C. - Artigo para A Águia»