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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

III - De quem é o olhar

                III

De quem é o olhar

Que espreita por meus olhos?

Quando penso que vejo,

Quem continua vendo

Enquanto estou pensando?

Por que caminhos seguem,

Não os meus tristes passos,

Mas a realidade

De eu ter passos comigo?

Às vezes, na penumbra

Do meu quarto, quando eu

Para mim próprio mesmo

Em alma mal existo,

Toma um outro sentido

Em mim o Universo —

É uma nódoa esbatida

De eu ser consciente sobre

Minha ideia das coisas.

Se acenderem as velas

E não houver apenas

A vaga luz de fora —

Não sei que candeeiro

Aceso onde na rua —

Terei foscos desejos

De nunca haver mais nada

No Universo e na Vida

De que o obscuro momento

Que é minha vida agora.

Um momento afluente

Dum rio sempre a ir

Esquecer-se de ser,

Espaço misterioso

Entre espaços desertos

Cujo sentido é nulo

E sem ser nada a nada.

E assim a hora passa

Metafisicamente.

s. d.

«Episódios - A Múmia». Poesias. Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995).

 - 64.

1ª publ. in Portugal Futurista , nº 1. Lisboa: 1917.