CAEIRO E A REACÇÃO PAGÃ - T
CAEIRO E A REACÇÃO PAGÃ
A característica fundamental que se exige ao crítico de ciência ou de arte, isto é, a produção intelectual que procura um valor absoluto (a verdade ou a beleza) é a sua capacidade de distinguir entre valores relativos e absolutos. Quando uma obra artística lhe agrada, quando sente que é bela, o seu primeiro movimento intelectual, após o movimento realizado pela sua sensibilidade, deveria ser perguntar-se a si mesmo: Acho esta obra bela porque sou bomem, ou porque sou um homem do meu tempo ou, ainda, porque sou um homem do meu país? Toca esta obra, no fundo, o homem que sou, o homem moderno que também sou, ou o inglês, ou francês ou italiano que represento?
Poucos conseguem realizar esta auto-análise, contudo, somos suficientemente optimistas com respeito à humanidade, para crer que a maior parte dos homens inteligentes não o conseguem realizar porque nunca lhes foi revelado que eram capazes de fazer tal análise.
Se este princípio de auto-crítica (antes da crítica dos outros), se esta análise de impressões (antes da análise dos resultados de impressões) fossem praticados com mais frequência, não teriam surgido tantos disparates. […
Sempre me pareceu necessário tomar esta atitude mental. Assim, ao ler os [poemas] de Alberto Caeiro pela primeira vez, senti o entusiasmo de (...)
Eis finalmente disse a mim próprio uma obra que me toca não como a um homem de hoje (nenhuma obra poderia estar mais afastada de todas as correntes da arte contemporânea que nos são conhecidas), nem como a um inglês (nenhuma obra poderia ser menos inglesa), mas antes como a um homem na sua humanidade.
Quanto mais analisava os meus sentimentos, mais aceitava a veracidade da minha conclusão.
A minha verdadeira opinião com respeito à obra de Caeiro não exclui uma certa reserva, de modo que não tenciono dizer ao leitor francamente o que penso dele.
A grande descoberta de Caeiro o misticismo da objectividade. Os místicos atribuem um significado a tudo. Caeiro vê uma ausência de significado em tudo, segundo as suas próprias palavras.
Vejo esta ausência e amo-me, porque ser uma coisa é não significar nada.
Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa. Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1990.
- 192.Trad.: Christopher Auretta