Maurras e os seus são os românticos da Disciplina.
Maurras e os seus são os românticos da Disciplina. Interpretam a disciplina romanticamente. Aproveitam o catolicismo e o monarquismo como disciplinas - processo de puro romantismo; ao passo que um classicista aproveitaria da religião católica e da instituição monárquica apenas aquilo que conviesse à disciplina como disciplina, reparando sempre que essa disciplina tem de ser aplicada ao nosso tempo. (Mas eles arranjam um conceito abstracto de Disciplina).
Ora o que o catolicismo tem de disciplinador, de realmente disciplinador é(1) a intransigência e rigidez do dogma - não o dogma em si, repare-se, mas apenas o modo como o dogma é dogma no cat[olicis]mo; e(2) a hierarquização rigorosa que nessa Igreja se encontra instituída.
A intransigência e a rigidez do dogma não valem já hoje, nem podem valer. Ninguém culto, nem mesmo (muito pouco, esses) a gente do sr. Maurras acredita hoje nos dogmas de modo a que eles lhes possam servir de disciplina, ou própria ou para impor a outros. E aos ignorantes nenhuma fé os disciplina: as cadeias e a sua subordinação social são a única disciplina que eles podem ter. Só a ciência hoje tem o respeito dos cultos. Nenhum homem culto hoje acredita, realmente acredita, por mais que creia, na Imaculada Conceição de Maria. Nenhum homem culto põe em dúvida que o coeficiente de dilatação do cobre é (...); que o animal se desenvolve do óvulo; que a terra gire à volta do sol.
Quanto à hierarquização, aproveitêmo-la, por certo, para a n[ossa] disciplinação: mas a hierarquização por si, é um princípio que nada tem com a religião - é puramente social. É o princípio aristocrático.
Do monarquismo, semelhantemente, etc. (…)
Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1990.
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