Proj-logo

Arquivo Pessoa

OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
pdf
Fernando Pessoa

V - Porque abrem as coisas alas para eu passar?

                V

Porque abrem as coisas alas para eu passar?

Tenho medo de passar entre elas, tão paradas conscientes.

Tenho medo de as deixar atrás de mim a tirarem a Máscara.

Mas há sempre coisas atrás de mim.

Sinto a sua ausência de olhos fitar-me, e estremeço.

Sem se mexerem, as paredes vibram-me sentido.

Falam comigo sem voz de dizerem-me as cadeiras.

Os desenhos do pano da mesa têm vida, cada um é um abismo.

Luze a sorrir com visíveis lábios invisíveis

A porta abrindo-se conscientemente

Sem que a mão seja mais que o caminho para abrir-se.

De onde é que estão olhando para mim?

Que coisas incapazes de olhar estão olhando para mim?

Quem espreita de tudo?

As arestas fitam-me.

Sorriem realmente as paredes lisas.

Sensação de ser só a minha espinha.

As espadas.

s. d.

«Episódios - A Múmia». Poesias. Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995).

 - 66.

1ª publ. in Portugal Futurista , nº 1. Lisboa: 1917.