Fernando Pessoa
Nas grandes horas em que a insónia avulta
Nas grandes horas em que a insónia avulta
Como um novo universo doloroso,
E a mente é clara com um ser que insulta
O uso confuso com que o dia é ocioso,
Cismo, embebido em sombras de repouso
Onde habitam fantasmas e a alma é oculta,
Em quanto errei e quanto ou dor ou gozo
Me farão nada, como frase estulta.
Cismo, cheio de nada, e a noite é tudo.
Meu coração, que fala estando mudo,
Repete seu monótono torpor
Na sombra, no delírio da clareza,
E não há Deus, nem ser, nem Natureza
E a própria mágoa melhor fora dor.
31-8-1929
Novas Poesias Inéditas. Fernando Pessoa. (Direcção, recolha e notas de Maria do Rosário Marques Sabino e Adelaide Maria Monteiro Sereno.) Lisboa: Ática, 1973 (4ª ed. 1993).
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