Proj-logo

Arquivo Pessoa

OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
pdf
Álvaro de Campos

Símbolos? Estou farto de símbolos...

Símbolos? Estou farto de símbolos...

Mas dizem-me que tudo é símbolo.

Todos me dizem nada.

Quais símbolos? Sonhos.—

Que o sol seja um símbolo, está bem...

Que a lua seja um símbolo, está bem...

Que a terra seja um símbolo, está bem...

Mas quem repara no sol senão quando a chuva cessa,

E ele rompe as nuvens e aponta para trás das costas

Para o azul do céu?

Mas quem repara na lua senão para achar

Bela a luz que ela espalha, e não bem ela?

Mas quem repara na terra, que é o que pisa?

Chama terra aos campos, às árvores, aos montes.

Por uma diminuição instintiva,

Porque o mar também é terra...

Bem, vá, que tudo isso seja símbolo...

Mas que símbolo é, não o sol, não a lua, não a terra,

Mas neste poente precoce e azulando-se

O sol entre farrapos finos de nuvens,

Enquanto a lua é já vista, mística, no outro lado,

E o que fica da luz do dia

Doura a cabeça da costureira que pára vagamente à esquina

Onde demorava outrora com o namorado que a deixou?

Símbolos? Não quero símbolos...

Queria — pobre figura de miséria e desamparo! —

Que o namorado voltasse para a costureira.

18-12-1934

Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).

 - 67.