O meu intenso sofrimento patriótico - T
O meu intenso sofrimento patriótico, o meu intenso desejo de melhorar o estado de Portugal, provocam em mim — como exprimir com que ardor, com que intensidade, com que sinceridade !— mil projectos que
mesmo se realizáveis por um só homem, exigiriam dele uma característica puramente negativa em mim — força de vontade. Mas sofro — até aos limites da loucura, juro-o — como se tudo eu pudesse fazer sem, no entanto, o poder realizar, por deficiência da vontade. É um sofrimento horrível que, afirmo-o, me mantém constantemente nos limites da loucura.
E, depois, incompreendido. Ninguém suspeita do meu amor patriótico, mais intenso do que o de todos aqueles a quem encontro ou conheço. Não o traio; como sei, então, que não o possuem? Como posso dizer que a sua preocupação não iguala a minha? Porque, nalguns casos — na maior parte, até — o seu temperamento é inteiramente diferente; porque, nos outros casos, a sua maneira de falar revela a ausência de, ao menos, um patriotismo nominal.
O fervor, a intensidade — terna, revoltada e ardente — do meu, jamais os exprimirei, [...]
Além dos meus projectos patrióticos —escrever República de Portugal aqui uma revolução, escrever panfletos portugueses, dirigir a publicação de obras literárias nacionais mais antigas, fundar um periódico, uma revista científica, etc. — outros planos em que me consumo na necessidade de serem em breve postos em prática
[...] conjugam-se para produzir um impulso excessivo que me paralisa a vontade. O sofrimento que isto produz não sei se poderá ser definido como situado aquém da loucura.
A tudo isto acrescentem-se ainda outros motivos de sofrimento, alguns físicos, mentais outros, a susceptibilidade a toda a coisa comezinha que possa ser dolorosa (ou que o não seria, até, para um homem normal), acrescentem-se ainda outras coisas, complicações, dificuldades de dinheiro — junte-se isto tudo ao meu temperamento fundamentalmente desequilibrado e talvez se possa suspeitar qual a intensidade do meu sofrimento.
Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966.
- 7.Trad: Jorge Rosa