Cada religião é um mundo à parte,
Átrio.
Cada religião é um mundo à parte, mas mais particularmente o é quando é essencialmente iniciatória. Isto é, uma religião composta de mistérios, no conhecimento dos quais se sobe por grados, é uma espécie de nova região por onde se a alma transforma.
Isto é eminentemente verdade da FM [Franco-Maçonaria], que é a única religião moderna de tipo iniciatório puro. Nas outras os graus são estados de emoção; nesta são estados de entendimento, e até o são para o profano, se ele consegue — pois isso não é impossível — entrar, por meio de fio próprio, no labirinto dos seus segredos.
É, de facto, uma vida nova, e uma alma nova, a que se ganha no contacto com estes mistérios, e o modo, o tipo, a forma dessa vida nova, não se pode expor nem explicar, pois como é vida propriamente, e não propriamente ideia, não é transmissível verbalmente, nem ainda pelas palavras que claramente dissessem os seus mistérios, se tais palavras se devessem, ou sequer pudessem, dizer ou escrever.
Os grados são essencialmente estados; se o não são, nada são.
[...]
Os graus de iniciação representam estados de conhecimento que são simultaneamente estados de vida.
Os primeiros graus são graus de provação, os segundos graus de interpretação, os terceiros graus de compreensão, os quartos, e últimos, graus de reintegração (integração). Na via maçónica estes quatro tipos de graus estão perfeitamente divididos, salvo que os últimos, como até certo ponto os terceiros, estão já fora dela, sendo ela todavia o caminho para eles.
É isto que na simbólica dos alquimistas se designa pelos quatro estados da Grande Obra — putrefacção, pois o iniciado tem que morrer para si mesmo, ou, antes que morrer-se.
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Fernando Pessoa e a Filosofia Hermética - Fragmentos do espólio . Fernando Pessoa. (Introdução e organização de Yvette K. Centeno.) Lisboa: Presença, 1985.
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