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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

UMA VOZ: Quando a noite suave! desce

                UMA VOZ:

Quando a noite suave! desce

— Sombra de mãos em perdão —

Ó mão da Tristeza tece,

O Manto da Solidão.

Tece-o qual uma mentira,

Que o meu triste coração

Quer vesti-lo p'ra cobrir

O nu da desilusão.

                OUTRA VOZ:

Enche a taça da minha alma

Da bebida do sofrer

Que transborde fria e calma

Sobre a mão do esquecer;

Do que dá o amargor

Às lágrimas ... Quero ver

Se encontro aí mais amor

Para a bebê-lo morrer.

                TERCEIRA VOZ:

Cava-me a cova profunda,

Quero em sossego dormir;

Não na terra — é pouco funda;

Vai a minha cova abrir

Do sonho na solidão

E põe ao meu

Por laje o meu coração

Que inda não soube sorrir.

                UMA VOZ TRISTE:

Um canto e outros, mas tudo triste,

Soluços qu'rendo-se a si esquecer;

A lira velha disso que existe

Tem sons que fazem estremecer.

Um canto e outros, mas tudo vago

Como a íntima alma do soluçar

Que monstro mira (...) lago

Que faz as águas leve vibrar?

Um canto e outros, mas tudo inútil

As mãos descola vai a lira ao chão;

O canto é meio febril e fútil

De fingir vida na solidão.

s.d.

Fausto - Tragédia Subjectiva. Fernando Pessoa. (Texto estabelecido por Teresa Sobral Cunha. Prefácio de Eduardo Lourenço.) Lisboa: Presença, 1988.

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