Proj-logo

Arquivo Pessoa

OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
pdf
Ricardo Reis

Os parentes de Alberto Caeiro, a quem ele deixou entregue ...

Os parentes de Alberto Caeiro, a quem ele deixou entregue o seu livro completo, e os poemas dispersos que o suplementam, quiseram que eu, a única pessoa a quem o destino concedeu que pudesse considerar-se discípulos do poeta, fizesse uma espécie de apresentação, ou de prefácio explicativo, à presente — que é a primeira e definitiva colação dos seus poemas.

O encargo, por grato que seja à minha amizade e (...) à minha admiração, é oneroso deveras para a consciência que tenho dos limites da minha competência. Não que me escasseie a sensibilidade espontânea com que de pronto sinta, e a sensibilidade intelectual, com que demoradamente aprecie, os poemas, ou que me falte, para falar verdade, a justa noção de quanto eles pesam — porque (o) hão-de pesar — na balança da história literária; mas porque nem tenho o nome conhecido com que faça prevalecer, como quereria, a justiça da minha apreciação, nem me deram os Deuses aquele estilo que por translúcido atrai adeptos, ou, por entusiástico, os sujeita.

Que posso eu dizer de Alberto Caeiro que não pareça exagerado, que não tenha modos de desmedido? E como dizer menos, se hei-de dizer o que penso, o que creio ser a clara essência da verdade absoluta?

Passados que sejam dez anos — ou mais, ou menos, segundo a sorte — talvez ninguém veja nas minhas palavras um exagero sequer. Talvez que então, se a justiça, filha dos deuses, desce alguma vez à Terra, a consciência da Europa reconheça em Caeiro o Mestre que é, o poeta que (...)

Mas hoje, que os seus poemas pela primeira vez assomam à janela da publicidade, que cuidado não há-de haver nos termos! que escrúpulo nos juízos! que equilíbrio nos elogios!

Um homem que se diz discípulo de outro tem pelo menos uma boa razão para o elogiar desmarcadamente. E um homem que é contemporâneo tem já razão de sobra, nessa medida, para estar no erro sem consciência de tal.

Posto isto — que tanto valia não ter escrito, mas que me pesaria não escrever — passo a fazer a «apresentação» que me é pedida.

Direi de Alberto Caeiro, demonstrando-o, com a força que a mim caiba:

1) que ele é o maior e o mais original dos poetas nascidos, de todas as línguas que eu conheço;

2) que ele é o reconstrutor do sentimento pagão, perdido e nunca sentido [...] novamente, desde que a civilização pagã se perdeu;

3) que na poesia dele, tomando-a no seu conjunto, madrugou, amanheceu uma nova civilização, um pouco aparentada com certas vozes correntes europeias e americanas, mas agora, nesta obra, pela primeira vez coordenadas, feitas sentido [?] e unas.

Sem mais tardanças explicativas, eu passo ao assunto do meu prefácio.

s.d.

Poemas Completos de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Recolha, transcrição e notas de Teresa Sobral Cunha.) Lisboa: Presença,

1994.

 - 27.

1ª publ. inc. in Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação . Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1996.