Gela-me a ideia de que a morte seja
Gela-me a ideia de que a morte seja
O encontrar o mistério face a face
E conhecê-lo. For mais mal que seja
A vida e o mistério de a viver
E a ignorância em que alma vive a vida,
Pior me relampeja pela alma
A ideia de que enfim tudo será
Sabido e claro — e este mistério imenso,
Que não entendo já, do que é de grande
Para não ser sabido e adivinhado,
Me pesa n'alma, venha a ser sabido
E a realidade em todo o seu horror
Desabe sobre a minha consciência
Condenada ao horror de ser consciente.
Pudesse eu ter por certo que na morte
Me acabaria, me faria nada
E eu avançara para a morte, pávido,
Mas firme do seu nada.
Mas para este mistério do universo
Que solução de realidade outra
Que uma realidade enfim real
E terrível de real, e pavorosa
De ter de ser com consciência suportada?
Fausto - Tragédia Subjectiva. Fernando Pessoa. (Texto estabelecido por Teresa Sobral Cunha. Prefácio de Eduardo Lourenço.) Lisboa: Presença, 1988.
- 59.1ª versão inc.: “Primeiro Fausto” in Poemas Dramáticos. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de Eduardo Freitas da Costa.) Lisboa: Ática, 1952 (imp.1966, p.130)