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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

Meu pensamento é um rio subterrâneo

Meu pensamento é um rio subterrâneo.

Para que terras vai e donde vem?

Não sei... Na noite em que o meu ser o tem

Emerge dele um ruído subitâneo

 

De origens no Mistério extraviadas

De eu compreendê-las..., misteriosas fontes

Habitando a distância de ermos montes

Onde os momentos são a Deus chegados...

 

De vez em quando luze em minha mágoa

Como um farol num mar desconhecido

Um movimento de correr, perdido

Em mim, um pálido soluço de água...

 

E eu relembro de tempos mais antigos

Que a minha consciência da ilusão

Águas divinas percorrendo o chão

De verdores uníssonos e amigos,

 

E a ideia de uma Pátria anterior

À forma consciente do meu ser

Dói‑me no que desejo, e vem bater

Como uma onda de encontro à minha dor.

 

Escuto‑o... Ao longe, no meu vago tacto

Da minha alma, perdido som incerto,

Como um eterno rio indescoberto,

Mais que a ideia de rio certo e abstracto...

 

E p'ra onde é que ele vai, que se extravia

Do meu ouvi‑lo ? A que cavernas desce?

Em que frios de Assombro é que arrefece?

De que névoas soturnas se anuvia?

 

Não sei... Eu perco‑o... E outra vez regressa

A luz e a cor do mundo claro e actual,

E na interior distância do meu Real

Como se a alma acabasse, o rio cessa...

5-11-1914

Obra Poética e em Prosa. Vol. I. Fernando Pessoa. (Introdução, organização, biobibliografia e notas de António Quadros e Dalila Pereira da Costa.) Porto: Lello, 1986.

 - 1093.

 1ª publ. in Cartas de Fernando Pessoa a Armando Côrtes-Rodrigues.(Introdução de Joel Serrão.)Lisboa: Confluência, 1944 (3.ª ed. Lisboa: Livros Horizonte, 1985).