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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Ricardo Reis

Vós que, crentes em Cristos e Marias

Vós que, crentes em Cristos e Marias

Turvais da minha fonte as claras águas

        Só para me dizerdes

        Que há águas de outra espécie

Banhando prados com melhores horas,—

Dessas outras regiões pra que falar-me

        Se estas águas e prados

        São de aqui e me agradam?

Esta realidade os deuses deram

E para bem real a deram externa.

        Que serão os meus sonhos

        Mais que a obra dos deuses?

Deixai-me a Realidade do momento

E os meus deuses tranquilos e imediatos

        Que não moram no vago

        Mas nos campos e rios.

Deixai-me a vida ir-se pagãmente

Acompanhada plas avenas ténues

        Com que os juncos das margens

        Se confessam de Pã.

Vivei nos vossos sonhos e deixai-me

O altar imortal onde é meu culto

        E a visível presença

        Dos meus próximos deuses.

Inúteis procos do melhor que a vida,

Deixai a vida aos crentes mais antigos

        Que a Cristo e a sua cruz

        E Maria chorando.

Ceres, dona dos campos, me console

E Apolo e Vénus, e Urano antigo

        E os trovões, com o interesse

        De irem da mão de Jove.

9-8-1914

Odes de Ricardo Reis . Fernando Pessoa. (Notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (imp.1994).

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