Quem sabe se morrendo eu passarei
Quem sabe se morrendo eu passarei
Apenas para outro grau de ignorância
Outra forma do mesmo atroz mistério,
Outro e novo mistério e enfim o mesmo?
Se noutra espécie de outra terra eu for
Continuar a ignorância e o medo
Do Essencial? Assim deve ser
Porque a verdade deve ser o mais
Profundo que se pensa e não o menos,
O mais inexplicável, não o menos
E, fora do absurdo, o mais absurdo...
Ah, não morrer e não morrer nunca, ainda
Que me quebrassem dores todo o corpo
Que grão a grão de carne endurecida
Apodrecesse em mim... Tudo, tudo, tudo
Mas ficar-me a vida! Nunca ir
Ao encontro do abismo do Possível
Aonde apesar de tudo talvez haja
A Verdade...
Pode a Verdade Suma ser velada
Sempre para nós... E a morte revelar-nos
Outra qualquer Verdade falsa e eterna
Que seja um pavor toda e nada seja,
Mas seja tudo quanto eternamente
Possamos ver e ter... Oh horror, oh abismo
Ah ter que ir, que seguir, e ver ao fundo
Um fim de estrada, e um precipício e o som
Não sei de quê ao fundo!...
Fausto - Tragédia Subjectiva. Fernando Pessoa. (Texto estabelecido por Teresa Sobral Cunha. Prefácio de Eduardo Lourenço.) Lisboa: Presença, 1988.
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