Tirem-me os deuses
Tirem-me os deuses
Em seu arbítrio
Superior e urdido às escondidas
O Amor, gloria e riqueza.
Tirem, mas deixem-me,
Deixem-me apenas
A consciência lúcida e solene
Das coisas e dos seres.
Pouco me importa
Amor ou glória.
A riqueza é um metal, a gloria é um eco
E o amor uma sombra.
Mas a concisa
Atenção dada
Às formas e as maneiras dos objectos
Tem abrigo seguro.
Seus fundamentos
São todo o mundo,
Seu amor é o plácido Universo.
Sua riqueza a vida.
A sua glória
É a suprema
Certeza da solene e clara posse
Das formas dos objectos.
O resto passa,
E teme a morte.
Só nada teme ou sofre a visão clara
E inútil do Universo.
Essa a si basta,
Nada deseja
Salvo o orgulho de ver sempre claro
Até deixar de ver.
Odes de Ricardo Reis . Fernando Pessoa. (Notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (imp.1994).
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