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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Ricardo Reis

A arte existe, não, como Campos quer, para substituir a vida, senão para a completar.

A arte existe, não, como quer Campos, para substituir a vida, senão para a completar. Tudo na vida, excepto o desejo do homem, é irracional e imperfeito; na arte o homem projecta o seu desejo e a vontade de perfeição que há nele. Por isso a obra de arte deve, conservando a forma da vida, substituir-lhe a matéria: a escultura é na limpeza da pedra, que não na porcaria do corpo; a poesia é na música do ritmo lida que não na falta de música da palavra simplesmente falada.

Na arte deve ser eliminado todo elemento que recorde a matéria da vida; conservado tudo que recorde a sua forma. Assim, não aceito como arte o verso nauseabundo de Cesário Verde, a propósito dos cegos:

Rolam os olhos como dois escarros.

Repudio a tese frequente, de que a arte tenha que ir buscar a sua simplicidade à simplicidade infantil. Na criança há simplicidade; na arte há simplificação, que é o contrário. A frase infantil tem analogia com a frase de graça, ou espírito: representa sem hesitação uma ideia que nasce sem reflectir, fruto, por vezes, de uma confusão do pensamento.

A arte baseia-se na vida, porém, não como matéria mas como forma. Sendo a arte um produto directo do pensamento, é do pensamento que se serve como matéria; a fprma vai buscá-la à vida. A obra de arte é um pensamento tornado vida: um desejo realizado em si mesmo. Como realizado tem que usar a forma da vida, que é essencialmente a realização; como realizado em si mesmo tem que tirar de si a matéria com que realiza.

s.d.

Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1990.

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N. do A.: «Ricardo Reis (?) (ou Ant. Mora)».