[Carta a Armando Côrtes-Rodrigues - 4 Maio 1916]
Lisboa, 4 de Maio de 1916.
Meu querido Côrtes-Rodrigues:
Não lhe tenho escrito. Tenho atravessado uma enorme crise intelectual. E agora estou muito pior, com a enorme tragédia que nos aconteceu a todos.
O Sá-Carneiro suicidou-se em Paris no dia 26 de Abril.
Não tenho cabeça para lhe escrever, mas não quero deixar de lhe comunicar isto.
Claro está que a causa do suicídio foi o temperamento dele, que fatalmente o levaria àquilo. Houve, é claro, uma série de perturbações que foram as causas ocasionais da tragédia.
Ele suicidou-se com estricnina. Uma morte horrorosa. Já tencionara suicidar-se três vezes — em 3 de Abril a primeira.
Uma grande desgraça!
Naturalmente Orpheu publicará uma plaquette, colaborada só pelos seus colaboradores, à memória do Sá-Carneiro. Logo que v. puder, portanto — quanto antes melhor — v. mande-me qualquer coisa breve (o mais esmerado possível) à memória dele. Não se esqueça. O bom era se o mandasse pelo próximo vapor.
E dê-me notícias suas. Não as tenho tido.
Meus cumprimentos a seu Pai. Um grande abraço do
Sempre e muito seu
Fernando Pessoa
Na casa A. Xavier Pinto e C.ª
Rua de S. Julião, 101, 1.º
LISBOA
(Note a nova morada)
(Lembro-me agora que v. já a conhece; esteve cá, até, com o Fernando Bravo, uma vez).
Cartas de Fernando Pessoa a Armando Côrtes-Rodrigues.
(Introdução de Joel Serrão.)Lisboa: Confluência, 1944 (3.ª ed. Lisboa: Livros Horizonte, 1985).
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