Proj-logo

Arquivo Pessoa

OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
pdf
Fernando Pessoa

Para justificar a sua aspiração (de agora) a um império cultural, tem Portugal,

Para justificar a sua aspiração (de agora) a um império cultural, tem Portugal, além da tradição quebrada desse império, isto é, da indicação inicial nesse sentido, a felicidade de não ter tido até agora uma grande literatura, mas uma literatura escassa e pequena, de modo que está quase tudo por fazer nesse campo, o que torna possível o fazer tudo, e como deve ser feito.

“Fará paz em todo o mundo”, diz o Bandarra de D. Sebastião. E a paz em todo o Mundo, só numa fraternidade por enquanto imprevisível, mas que por certo exigirá um meio de comunicação igual - uma língua.

Que mal haverá em nos prepararmos para este domínio cultural, ainda que não venhamos a tê-lo? Não queremos derramar uma gota de sangue; e ao mesmo tempo nos não furtamos à ânsia humana de domínio. Não caímos portanto na esterilidade do universalismo humanitário, mas também não caímos na brutalidade do nacionalismo extracultural. Queremos impor uma língua, que não uma força; não hostilizamos raça nenhuma, de nenhuma cor, como em geral não temos hostilizado, porque podemos ter sido por vezes bárbaros, como todos os imperiais de conquista, mas nem fomos mais, senão menos, que outros, nem nos pode ser contado como defeito que excluíssemos os de outra cor da nossa casa ou da nossa mesa. Assim nos nossa índole prepara para aquela fraternidade universal que a teosofia anteprega, e que é, de há tanto tempo, a doutrina social íntima dos Rosa Cruz.

Se falharmos, sempre conseguimos alguma coisa — aperfeiçoar a língua. Na pior hipótese, sempre ficamos escrevendo melhor. Servimos imediatamente a cultura geral e a civilização: quando mais não fizéssemos, não houvéramos que acusar-nos de ter pecado.

s.d.

Sobre Portugal - Introdução ao Problema Nacional. Fernando Pessoa (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução organizada por Joel Serrão.) Lisboa: Ática, 1979.

 - 89.