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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

O instinto de conhecer, se por vezes incide sobre o que pode…

O instinto de conhecer, se por vezes incide sobre o que pode de facto ser matéria de ciência - porque de observação exacta, de cálculo corrigível, de experimentação renovável -, tem que incidir muitas vezes sobre o que é impossível de observar em condições científicas, de reduzir a qualquer espécie de precisão. Mas o instinto de conhecer não desiste, em seu ímpeto espiritual. Não podendo conhecer com a inteligência, conhece com o sentimento, que é a inteligência do desejo. E onde não pode observar, crê; onde não pode calcular, adivinha; onde não pode pôr à prova, profetiza. Este estado de alma é o misticismo, que é o ter um sentimento nítido de uma coisa que se não sabe o que é.

Se assim é - e assim parece que é -, resulta que em toda matéria humana em que não pode haver ciência tem necessariamente que haver misticismo. E, como nesse género de matéria os assuntos sociais se contêm, toda a sociologia, e derivadamente toda política, pois que a política é a sociologia que se ignora, tem que ser essencialmente uma mística. Se o não for, é um mero alto comércio sem lucro das nações. Todo político que tenha um ideal, real ou fictício, é - triste é dizê-lo -uma espécie profana de Santa Teresa de Jesus.

Tendo, pois, toda política que assentar essencialmente numa mística, com maior razão terá que fazê-lo aquela política que não vise interesses ou problemas imediatos no tempo ou limitados no espaço. Não há mister de mística quando se é regedor, de pouca quando se é vereador; mas é já precisa alguma quando se é governador civil, por muito que pese aos que o são ou têm sido.

Para que a mística tenha força há mister que deriva da própria essência do assunto em que nasce, e se não agregue ou sobreponha a ele.

s.d.

Sobre Portugal - Introdução ao Problema Nacional. Fernando Pessoa (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução organizada por Joel Serrão.) Lisboa: Ática, 1979.

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