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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

O PRECONCEITO REVOLUCIONÁRIO

O PRECONCEITO REVOLUCIONÁRIO

1. De como todas as revoluções são desnacionalizações.

2. Utilidade social das revoluções.

1. Definição de “revolução” e de “espírito revolucionário”.

2. Psicologia do espírito revolucionário.

3. Condições sociais, em que se dão as revoluções.

4. Inutilidade intelectual das revoluções: (a) o princípio de continuidade, (b) 0 princípio de (...)

O estado mental do homem que crê na eficácia social directa das revoluções é exactamente o mesmo do do homem que crê na realidade dos milagres. A crença na eficácia das revoluções pressupõe a crença na intervenção antinatural da vontade humana no curso natural das coisas sociais. Não é mais absurdo supor que determinado taumaturgo inverte, por o uso de qualidades inanalisáveis, as leis físicas e naturais [?], do que supor que um grupo de homens nascido no mesmo meio que outro grupo, educado da mesma maneira, sofrendo as mesmas influências, e com hereditariedade social idêntica, pode, substituindo-se a esse outro grupo e por o simples facto de ter ideias diferentes, agir diferentemente na vida social. Isto é tão simples!

O estado social permanece o mesmo agravado com a anarquia que resulta da substituição violenta de uma situação administrativa por outra. Os antigos detentores do poder, por imorais e corruptos que fossem, tinham, ao menos, pelo uso do poder, certa noção inevitável de como usá-lo, conheciam, pelo menos, como administrar. Os recém-vindos, iguais moralmente a eles por serem produto do mesmo meio, levam para o poder a falta de prática do poder; são fatalmente piores — intelectualmente piores. Assim, os governos revolucionários, sendo tão imorais como os governos anteriores, são intelectualmente mais incompetentes.

Em toda a revolução há sempre três elementos causais: (1) a imoralidade e corrupção dos governos — e a ideia de se fazer uma revolução em vez de uma reforma quer dizer que a noção se tornou incompetente para resolver os seus problemas de governo sãmente; (2) a divisão de ideias principalmente religiosas, no país; (3) a desnacionalização.

Quando, por uma prolongada decadência, um país caiu em letargo e desagregação, um movimento revolucionário pode ser salvador. Não é, porém, salvador directamente, nem como movimento revolucionário, nem como portador de determinadas ideias, ou de determinadas tendências. O que nele há de salvador é, precisamente, o que de menos salvador parece — a anarquia que estabelece, a desorganização violenta que cria.

Quando uma nação caiu em letargo, em desorganização, esse próprio letargo faz com que não tenha forças para sair dele, essa própria desorganização a impossibilita de organizar uma saída dela, uma nova vida. Para que de um estado de letargo se passe a um estado de acção construtiva, é mister que o letargo seja sacudido, para que as forças deveras activas apareçam; é mister que a desorganização chegue a um estado agudo, para que os mais letárgicos se convençam de que têm que agir ou que ajudar a agir; é mister, por último, que a destruição, a anarquia, se torne patente, para que as forças latentes, que se tornaram activas, dêem a si próprias, não só um fim activo, como também um fim construtivo.

A única utilidade das revoluções é serem destrutivas, e tornar patente a necessidade da construção; é serem anárquicas, e tornarem patente a necessidade da ordem; é serem sempre estrangeiras, e estimularem, por reacção a acção contra-revolucionária, sempre nacional.

Não são as ideias revolucionarias de 89 que deram à França do século passado a sua relativa grandeza: essa grandeza, tal qual era, resultou da libertação de forças forçadas a serem construtivas pelo espectáculo de destruição que a Revolução lhes deu.

1918?

Ultimatum e Páginas de Sociologia Política. Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução e organização de Joel Serrão.) Lisboa: Ática, 1980.

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