Proj-logo

Arquivo Pessoa

OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
pdf
Fernando Pessoa

Um dia / Pensei na fama e em mim o sonho veio

                                        Um dia

Pensei na fama e em mim o sonho veio

Da glória: ver-me (...) e conhecido,

Ouvir em lábios belos o meu nome

E (...) querendo conhecer-me...

Mas isto, mal sonhado era, já trazia

Consigo um amargor estranho e (...)

Que explicar não podia e que não posso.

Antes de fama ter, tinha-lhe horror!

E eu desejava a fama a que temia.

É que sentia já talvez a vaga

Necessidade de fechar em mim

Toda a força do vivo pensamento

Que a palavra trai sempre. Mas era mais

Aquele horror à fama que eu amava

E que, querendo não podia qu'rer.

Era talvez um vago conhecer

Do vazio de tudo. Pois se a terra

Acabará, seus (...) e (...)

Com ela não acabarão? Não sei.

Talvez além do acabar exista

O haver o mistério (...) no Ser.

Não sei; sei só que um dia, num repente,

A abster-me decidi de fama e glória

Para... Mas para quê? Para pensar

Amarga e mudamente e, dia a dia,

Sentir verter em mim o fel

Da desolada desesperação.

Escrever, mas o que é que escreveria?

Se eu sei esta verdade; além do ser

Há o mistério; se sei esta e nenhuma outra,

Que verdade daria eu ao mundo?

E não dar-lhe verdade grão mal era.

s.d.

Fausto - Tragédia Subjectiva. Fernando Pessoa. (Texto estabelecido por Teresa Sobral Cunha. Prefácio de Eduardo Lourenço.) Lisboa: Presença, 1988.

 - 133.