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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Álvaro de Campos

Da casa do monte, símbolo eterno e perfeito,

Da casa do monte, símbolo eterno e perfeito,

Vejo os campos, os campos todos,

E eu os saúdo por fim com a voz verdadeira,

Eu lhes dou vivas, chorando, com as lágrimas certas e os vivas exactos —

Eu os aperto a meu peito, como filho que encontrasse o pai perdido.

Vivam, vivam, vivam

Os montes, e a planície, e as ervas!

Vivam os rios, vivam as fontes!

Vivam as flores, e as árvores, e as pedras!

Vivam os entes vivos e os bichos pequenos,

Os bichos que correm, insectos e aves,

Os animais todos, tão reais sem mim,

Os homens, as mulheres, as crianças,

As famílias, e as não-famílias, igualmente!

Tudo quanto sente sem saber porquê!

Tudo quanto vive sem pensar que vive!

Tudo que acaba e nunca se aumenta com nada,

Sabendo, melhor que eu, que nada há que temer,

Que nada é fim, que nada é abismo, que nada é mistério,

E que tudo é Deus, e que tudo é Ser, e que tudo é Vida.

Ah, estou liberto!

Ah, quebrei todas

As algemas do pensamento.

Eu, o claustro e a cave voluntários de mim mesmo,

Eu o próprio abismo que sonhei,

Eu, que vi em tudo caminhos e atalhos de sombra

E a sombra e os caminhos e os atalhos eram eu!

Ah, estou liberto...

Mestre Caeiro, voltei à tua casa do monte

E vi o mesmo que vias, mas com meus olhos,

Verdadeiramente com meus olhos,

Verdadeiramente verdadeiros...

Ah vi que não há muitos abismos!

Vi que (...)

s.d.

“A Partida”. Álvaro de Campos - Livro de Versos . Fernando Pessoa. (Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993.

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